domingo, 17 de fevereiro de 2013

Entrevista


Mariela Michelena, Psicanalista e escritora

'As mulheres repetem erros vezes sem conta'

O fim de um amor obriga-nos sempre a fazer o luto e a atravessar um deserto, para que possamos seguir em frente, diz a autora de É Possível Esquecer-te, num aviso, sobretudo, ao género feminino

Publicado na revista Visão em 21 de Janeiro de 2013 (excertos)



A incapacidade de alguém de se desligar de um mau relacionamento é iliteracia emocional?
Sim. Porque se ignoram necessidades próprias e se repetem, vezes sem conta, os mesmos erros, sem nunca se encontrar o que se procura. É, sobretudo, o caso das mulheres, para quem a vida afetiva é mais importante, embora haja alguns homens que também passam por isso.

Quem deixa tem o fardo aliviado?
Não é bem assim, porque carrega nos ombros a responsabilidade em relação ao passado e ao futuro. A vantagem é levar o luto meio feito, por ter vivido antes o sentimento de culpa, o sofrimento de mal-estar, numa relação defunta, a decisão de concretizar o funeral.

Mas há formas, menos óbvias, de colocar o ponto final...
O registo "esquece-me tu que eu não consigo" é frequente nos homens, por terem um vocabulário afetivo mais pobre e lhes custar pôr as cartas na mesa, lidar com as discussões. Isto significa trabalho a dobrar para elas, chamar as coisas pelos nomes. "As coisas não estão bem, assim não pode ser", dizem, servindo-lhes, a eles, o pretexto: "Já que é isso que queres, vou-me embora."

Que implicações resultam de uma pessoa desaparecer da vida da outra, sem aviso prévio?
Numa situação difícil, as pessoas dão a cara. Discutem e fazem acusações, na tentativa de entender o que está a passar-se. Evaporar-se sem aviso é bastante cruel e narcisista, porque se fica mais presente do que nunca na vida mental do outro - pela ausência -, forçando-o a colocar na história as palavras jamais ditas por ambos.

O que pode impedir um luto amoroso? 
A negação. "Não pode ser", "dou-te um tempo". Incapaz de aceitar um não como resposta, o abandonado insiste em manter tudo na mesma. A gota nunca transborda do copo. É uma espera inútil, que adia o luto.

Quanto tempo é preciso para mudar padrões doentios de relacionamento?
Não se faz em dois meses. A experiência de psicanalista diz-me que é preciso mais tempo. O inconsciente existe e há muitas coisas que não controlamos. Quem me procura já passou por outros tipos de terapias e não encontrou o que buscava. Refiro-me à compreensão do sofrimento humano, do que nos acontece.

Discorda das terapias rápidas?
Vendem mais a ideia de que todos podemos e conseguimos pensar positivo. É como pintar uma casa de branco e pôr almofadas novas, quando a canalização continua por arranjar. Há muita gente que não se sente identificada com este discurso e que só encontra consolo em algo mais profundo

O que diz a quem a procura, após tudo o que experimentou ter falhado?
É necessário passar pelo túnel para ver a luz. Se o medo for muito, há que pedir a mão a um terapeuta. Este meu livro pretende ser essa mão que acompanha a passagem pelo luto.

Misturar o tom académico e o "registo pop" de autoajuda já lhe trouxe dissabores?
É um erro comum os psicanalistas viverem fechados no seu mundo e falarem numa linguagem cifrada. A Psicanálise descreve a vida. Freud falava do quotidiano e escrevia livros de divulgação. Se fosse vivo, estaria no Facebook e teria um programa de TV.

Ler mais em: Revista Visão

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