quarta-feira, 18 de maio de 2011

Sexo, querida hoje não me apetece

Por Clara Soares

Um em cada sete homens tem falta de apetite para os jogos de adultos. A culpa não é só da testosterona. Viagem a uma realidade camuflada, mas com janelas por onde espreitar. Confira o MANUAL DO DESEJO masculino

Preliminar: este artigo é para homens. Deles se diz que só pensam em sexo. Dietas, dores de cabeça é mais com as mulheres, embora sejam elas - a amiga, a parceira, a médica - que os ouvem desinteressadamente e dão dicas. "Não me apetece. E depois?" é coisa que não se partilha nos balneários nem se confessa ao melhor amigo. Agora, o prato principal: a diminuição do desejo sexual (entusiasmo, ou tusa, na gíria), que incita um homem à exploração e à ação (a tal performance).

Na última década, a falta de desejo no masculino tem sido alvo de estudos, no mundo inteiro, e é ténue a fronteira que separa a normalidade da disfunção. Vozes sonantes da Sexologia, como a de Irwin Goldstein, editor do Journal of Sexual Medicine, advertem que a escassez de apetite não é doença. Aquele investigador americano lembra que, estatisticamente, há sempre homens nos dois extremos da curva normal: "A minoria que tem apetite a mais e a outra, que tem desejo a menos." Os homens que falaram para esta reportagem, a maioria sob anonimato, consideram-se "dentro da norma", e apenas num caso houve recurso a ajuda médica, a conselho da mulher. Mas todos admitiram que o tema ainda é tabu.

Agora, os indicadores científicos: inicialmente, as estimativas apontavam para 2% a 10% de homens com Perturbação do Desejo Sexual Hipo Ativo (PDSH). Só que, recentemente, a fasquia tem vindo a aumentar também em Portugal. Atestam-no os médicos, que recebem mais queixas. E os investigadores, cujos estudos revelam que a PDSH é a disfunção sexual mais prevalecente no masculino (15,5 por cento). A que se deve a perda de libido, ou apatia sexual, como lhe chamam os urologistas em Espanha (onde aquele valor é idêntico)? A palavra aos cavalheiros.

"O meu manifesto de não querer fazer é explícito mas discreto." António, 41 anos, um empresário casado e pai de dois filhos, com residência em Évora, conta pelos dedos as vezes que o "não me apetece" ganhou. Por estar cansado. Ou "chateado e distante", a seguir a uma discussão conjugal. "Se já estou na cama, simplesmente não alimento nem reajo a estímulos, deixo-me estar." Desculpas também se usam, e não são as dores de cabeça. Na versão masculina, o "já vou" é a solução mais à mão e António conhece-a: "Simplesmente não me deito logo, leio ou trabalho em qualquer coisa." Nada de anormal, pelo contrário: é um ato de gestão da vida conjugal. Quando o outro está sempre ao alcance, o desafio é maior. António confirma-o: "Para ter sentido, a relação sexual tem de ser desejada por ambos e espontânea. Só devem ser provocadas as condições que facilitem a proximidade [estar sem os filhos e outras interrupções, do trabalho ao telemóvel].

"ESTAR 'OFF'

Quem disse que um homem não finge? A arte da camuflagem também consta do universo de um macho. "Já me aconteceu resguardar-me ou defender-me para perceber em que filme ia entrar. É uma forma de averiguar até que ponto a parceira está mesmo disposta a entrar no elenco." Aos 49 anos, o escritor Fernando Esteves Pinto desmente o mito do "sexo não, somos casados". Admite que o desinteresse ou indisponibilidade sexual não é um drama, até porque a experiência lhe diz que "as desculpas só complicam e levantam suspeitas sobre o parceiro". O problema da iniciativa sexual no casal, assegura, tem muito a ver com o tédio e a preguiça. Mas não lhe ocorre declinar o convite da mulher: "Funciono sem grande expressão de desejo e contribuo com um desempenho maquinal."

Se dúvidas houvesse, não faltariam estudos para validar a regra: um homem está sempre pronto, é-lhe fisiológico. Cientistas alemães, da Universidade de Hamburg-Eppendorf, verificaram que, contrariamente às parceiras de longa data, os homens casados manifestavam-se predispostos ao sexo regular, em qualquer estágio do relacionamento. Mas uma sondagem do Instituto de Opinião Pública francês, com mais de mil adultos, revelou outra versão da verdade sobre os casais gauleses: um em cada seis homens (nas mulheres, mais de uma em cada três) usou desculpas para não picar o ponto. "Os homens nunca falam destas coisas entre si", avança Miguel, um gestor desportivo divorciado. Aos 47 anos, a sua dieta perfeita é "dia sim, dia não", e nem o cansaço extremo o inibe. "O sexo relaxa-me." Com a mesma precisão, menciona as perdas de apetite, possíveis em três situações: "Estar com o pensamento noutra pessoa, por falta de energia - que o meu tempo de recuperação já não é o que era - e ausência de química."

Química é um termo que simplifica muito, sobretudo quando há que dar tampa. "Já recusei envolver-me com uma pessoa por falta de química." Assim fala Paulo, um alfacinha solteiro com 30 anos, que trabalha em telecomunicações. E é neste terreno que a falta de vontade se sobrepõe, ocasionalmente, à lógica das hormonas: "Quando alguma coisa no relacionamento me deixa pensativo, ou se me sinto intimidado quando ela tem mais desejo e eu receio não conseguir satisfazê-la."

'TU QUERES? EU TAMBÉM NÃO

'Num livro publicado há seis anos, o psiquiatra Francisco Allen Gomes, 67 anos, dedicou um capítulo ao aborrecimento sexual, tendo-se ficado a saber que "não se faz quando se quer, mas quando se pode", o que legitima o sexo sem desejo e o seu contrário. Fundador da Sociedade Portuguesa de Sexologia (SPS), Allen Gomes vai mais longe, afirmando que a falta de desejo é a disfunção-metáfora de um mundo que banalizou o sexo. Menos radical, o psicólogo Nuno Amado, 32 anos, assegura tratar-se de um sintoma ocasional. A exceção aplica-se "quando há uma depressão não identificada ou uma relação decadente". Já o stresse é a "desculpa de banda larga" para adiar o contacto, tanto por falta de paciência para satisfazer o desejo, como para evitar entrar em competição com uma mulher emancipada - que já teve outros parceiros.Aqui, talvez seja o momento de desmontar a máxima "Eles só pensam com uma cabeça", fazendo referência aos resultados preliminares das pesquisas do português SexLab, a funcionar há ano e meio. "Em média, nos nossos estudos, as mulheres afirmaram ter mais prazer subjetivo [ou bem-estar] do que os homens, o que não deixa de ser um enigma", considera Pedro Nobre, presidente da SPS e coordenador daquelas pesquisas. Psicólogo da Universidade de Aveiro, o especialista avança uma hipótese: as mulheres da amostra podem talvez pertencer a "um nicho minoritário, sexualmente liberal, com exigências por vezes excessivas". Este e outros inibidores psicossociais do desejo masculino - como a falta de tempo, as responsabilidades laborais e familiares, e o ritmo exagerado da sociedade moderna - contribuem, segundo Pedro Nobre, para a diminuição da vontade deles. Tais oscilações existem, igualmente, nos homossexuais. Duarte, 42 anos, é casado com outro homem e reconhece o cenário: "Tenho falta de apetite sexual e isso prende-se com o facto de eu ser uma pessoa de fases e nem sempre conseguir satisfazer o desejo do meu marido, ou não ter vontade, apesar de estar com uma ereção."

'HOMENS-ILHAS'

O urologista Nuno Monteiro Pereira, 50 anos e diretor da iSEX, Associação para o Estudo Avançado da Sexualidade Humana, tem acompanhado um crescente número de queixas na sua clínica. Uma pesquisa nacional que coordenou, em 2006, designada Episex, indicou uma prevalência de 15,5% na falta de desejo masculino, semelhante à de Espanha, onde o número de consultas pelo mesmo motivo cresceu 23%, em apenas cinco anos. "Sabemos que existe, mas cientificamente não sabemos porquê", diz o especialista. Mas a experiência clínica leva-o a especular acerca das causas: "Se for antes dos 28 anos, deve-se ao abuso de drogas recreativas, como o ecstasy, que destrói o sistema límbico [ligado aos instintos]. Se ocorrer acima dos 40 anos, será pelos efeitos secundários de medicamentos [antidepressivos, por exemplo]."

A baixa de testosterona - a hormona do desejo - é normal a partir da meia-idade, mas pode acontecer também pelo que se designa, diz Nuno Monteiro Pereira, de Síndrome Robinson Crusoe: quanto mais tempo se estiver sem atividade sexual, mais diminui a testosterona. "Trata-se de um mecanismo adaptativo para não sofrer, como sucede aos que estão sem parceira durante um ou dois anos." No balanço de causas encontra-se, ainda, "a péssima maneira como o novo homem encara a postura da mulher", por não conseguir aceitar a liberdade e autonomia dela, e medo de ser comparado com outros.

Os que procuram ajuda, geralmente pela porta da Medicina Familiar, fazem-no, quase sempre, por insistência da companheira. José Murta Cadima, 55 anos, clínico geral especializado em Sexologia, em Leiria, destaca as doenças como a diabetes e a hipertensão enquanto inimigos do desejo, pelos efeitos secundários da medicação, que comprometem a libido. Quando não é este o motivo, o caso fia mais fino no lar: "Elas costumam esperar que eles as procurem, sobretudo fora do meio urbano, mas, quando aqui vêm, chegam a questionar a orientação sexual do marido, quando este se vê apenas como um viciado em trabalho." Não admitem que lhes falta a vontade nem as questões conjugais mal resolvidas. Mas o corpo nunca mente: "Os níveis de testosterona, serotonina e dopamina baixam e o desejo vai-se."

'TRAGÉDIA Y'

A crónica incapacidade de lidar com os progressos do sexo oposto parece estar a fazer mossa no mito do macho alfa. Murta Cadima, de novo: "Eles ainda estão muito atrasados. Acompanhei alguns jovens com falta de desejo e disfunção erétil, que se sentiam inibidos, sem domínio sobre as namoradas, que tiram melhores notas, fazem o Erasmus e escolhas várias." Os mais velhos não estão melhor: muitos não passam sem o comprimido (Viagra, Cialis...), a arma de eleição para enfrentar o ambiente de caça nos bares, porque um homem não falha. Em alternativa, fogem.

"Fazem-se desentendidos, não atendem chamadas, optam por gratificar-se sem tanto esforço com cibersexo, evitando os rituais de sedução com destino incerto." Quem o afirma é o psicólogo Nuno Nodin, 37 anos, a concluir um doutoramento sobre sexualidade masculina e uso da internet. Também ele se refere ao novo homem, com um toque de ironia: "O interesse sexual é, para ele, uma entre outras comodidades que dão prazer, como o ginásio, os jogos e as saídas com amigos. Mas não deixa de ser uma masculinidade mais frágil."

Por enquanto, uma larga maioria lida bem com as variações da libido, quase sempre pontuais. Afirma-o o urologista Manuel Ferreira Coelho, 42 anos: "Os homens só não estão sempre prontos porque não podem - por exemplo, após uma cirurgia da próstata ou devido a problemas orgânicos [depois dos 50 anos]." Foi o caso de Bruno, 65 anos, gestor industrial reformado, durante um período em que tomou medicação que comprometia a ereção e o desejo. Apesar de ter voltado ao que era, "foi um período frustrante, até parecia que não gostava da minha mulher". Com aliança no dedo há 42 anos, não se inibe de afirmar que, "jovem ou menos jovem, um homem não é uma máquina que se programa como o gravador de vídeo". Praticante regular, mas sem dias certos, Bruno prefere a espontaneidade das pausas ao caráter obrigatório: "Quando há vontade, completamos o ato. Quando não há, paciência."

ANTIAFRODISÍACOS

As leis do desejo são imprevisíveis. E quem melhor do que o pintor, compositor e músico Manuel João Vieira, 48 anos, para dissertar sobre fastio? O homem que encarnou a personagem Orgasmo Carlos, e criou o álbum Romance Hardcore, dispara: "Às vezes há coisas tão simples como mudar de parceira e volta-se logo à normalidade sexual, apesar das questões morais." Importante mesmo é ter cuidado com certas armadilhas que, contrariamente às maleitas físicas, não terão remédio: "Eu, quando bebia, sabia que, depois de duas garrafas de uísque e um bagaço, a cabeça de baixo não fazia o que a de cima achava que podia fazer." Adverte os mais jovens para se conterem nas drogas e nas pílulas milagrosas: é que "não há bela sem senão..."

Por fim, um recado às senhoras. Francisco, 38 anos, um alfacinha solteiro e descomprometido, mostra como se pode arruinar uma hora de ponta: "O meu desinteresse caiu por completo quando, num primeiro dating, ela me disse em plena discoteca que contava às amigas tudo o que fazia na cama." A nega valeu-lhe boatos sobre a sua orientação sexual - a rapariga não encontrava outro motivo para Francisco não querer estar com ela. Ele lança o repto: "Porque é que um homem tem de aceitar uma rejeição com um sorriso e, se for ao contrário, o mesmo não se passa?"

De volta a Manuel João Vieira, também fundador dos Ena Pá 2000 e eterno candidato à Presidência da República, para um conselho útil aos homens da nação: "Alimentem a bravata, não se deixem deprimir e, já agora, digam às vossas parceiras para não se rirem de vocês quando estiverem a pôr um preservativo." Uma nota derradeira, para sobremesa ou digestivo. Perdoem, cavalheiros, o atrevimento de entrar em território só vosso. Mas alguma vez tinha de ser, e não há melhor propósito do que esta reportagem: "Primeiro, os senhores."

Publicado na Revista Visão

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