“Queres sair comigo hoje?” Há algumas décadas, a pergunta poderia abrir caminho a uma sequência de expectativas que, na melhor das hipóteses, levaria a um hipotético compromisso futuro e, na pior, se ficaria por uma amizade com futuro incerto.
Por Clara Soares
Amizades coloridas
Fernando e Glória, dois trintões bem-dispostos, livres e urbanos, decidiram sair juntos, sem o grupo de amigos ou colegas de trabalho, para tomar um copo ao final da tarde. Ela, mais cautelosa, sugeriu uma esplanada que sabia não ser frequentada por pessoas conhecidas, “para evitar mexericos”. “Logo ali, dei-me conta de um quê de clandestinidade implícito, mesmo que, conscientemente, não tivesse a intenção de um encontro romântico”, lembra Glória. Repetiram a dose uma semana depois e gostaram daquele novo ritual nas rotinas de ambos, feito de trocas de impressões dos respectivos locais de trabalho, histórias e gostos pessoais, pormenores do quotidiano.
Já lá vão três anos de uma sólida amizade, sem haver propriamente regras definidas. “Às vezes, passava-se um mês em que não nos víamos e tínhamos por hábito manter uma certa leveza nos encontros”, explica Glória. E finalmente, a confissão: “Por três ou quatro vezes, tivemos sexo casual.” Glória já teve dois compromissos duradouros e admite que, de momento, não tem em vista uma pessoa suficientemente interessante para partilhar o quarto. Porém, isso parece não incomodá-la particularmente. “Vivo o momento e sei que ele também faz o mesmo. Ambos sabemos que é só sexo e não queremos mais do que isso – nem passar de amigos a namorados, porque nunca foi esse o registo.”
Este “registo”, que vive das (in)certezas de cada dia, marca cada vez mais uma progressiva faixa de pessoas, que não se privam de ter prazer só porque não têm uma relação (como manda – ou mandava – a regra). E se um deles encontrar um parceiro fixo? Estes encontros “em aberto” terão os dias contados? “Não sei”, responde Glória. A verdade é que não pensa sequer nisso, deixando que o momento dite a regra e aceitando, como até agora, as vontades de cada um, sem se forçar ou forçar o outro. “Às vezes, não é fácil”, conclui. “Mas pior seria se nos privássemos de todo, quando nos apetecer a ambos.”
Há ainda quem vaticine o fim do mito da monogamia – não faltam livros sobre o assunto – e a tónica desloca-se agora para um fenómeno emergente, que dá pelo nome de amizades coloridas. O termo nasceu no Brasil e aplica-se para designar relações em que o compromisso fica de fora. “No strings attached”, dizem os americanos. “Sexo com companhia”, dizem os que conhecem por dentro a experiência, mas que ainda não ousam falar disso abertamente ou usando o nome verdadeiro, como os casos anteriores. Afinal, trata-se de uma minoria que nem sequer foi alvo de estudo estatístico ou qualitativo. Porém, revela-se nas conversas de bastidores com pessoas de confiança, que “não vão dar com a língua nos dentes”, por assim dizer.
As regras do jogo são tácitas e nem todos terão perfil para jogá-las. Uma delas é não assumir, à boa maneira do adultério. Talvez por isso sejam mais comuns em faixas etárias superiores aos 30, quando já se tem uma noção de si mais diferenciada, com mais “calo”, e se passou pela turbulência de amores e desamores.
O médico Pedro de Freitas, especializado em Saúde Mental e Sexologia Clínica, confirma este fenómeno. Nas consultas de psicoterapia a que se dedica há vários anos, alguns dos pacientes mencionam "en passant" este tipo de amizades, que funcionam, no entender dos visados, como complemento de uma vida que se quer bem vivida e sem culpas.
“Não posso traçar um perfil, mas consigo afirmar que são mais frequentes em pessoas entre os 35 e os 40 anos, com percursos profissionais bem sucedidos, que já tiveram um ou mais relacionamentos estáveis e não pretendem continuar nesse registo.” Ao clínico, admitem que se sentem confortáveis em amizades, de longa data ou recentes, que por vezes evoluem para “cenas de cama, frescas, discretas e sem segundos pensamentos” (neste caso, de afectos ou compromisso futuro). A leitura que o médico faz deste padrão “não formal” é a seguinte: o medo de um novo fracasso leva-os – homens e mulheres – a fugir do envolvimento, mantendo a actividade sexual sem amarras, com pessoas que conhecem bem.
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