Seremos realmente livres na escolha de quem amamos? Alguns terapeutas garantem que não. Os papéis aprendidos na infância condicionam as relações amorosas na idade adulta.
Por Clara Soares
Rosália e Alfredo conheceram-se, apaixonaram-se, casaram, mas não viveram felizes para sempre. Após uma separação de alguns meses, Rosália admitiu que tinha com o marido reacções muito semelhantes às que tivera com namorados anteriores e chegou a ponderar a hipótese de refazer a sua vida sozinha. Alfredo procurou entretanto outras companheiras, mas constatou na prática que eram muito parecidas com a que elegeu para mulher, anos antes. Cansados e impotentes, dispuseram-se, pela primeira vez, a avaliar o que poderiam fazer de diferente para alterar o curso dos eventos que levaram à crise conjugal. Rosália decidiu-se a telefonar ao marido a propor-lhe uma nova oportunidade. “O que fiz de bom por mim sem tu estares ao meu lado? Quais são os meus pontos fracos? As minhas necessidades? O que posso dar-te sem cobrar?” As questões foram postas na mesa e o saldo tem sido positivo.
O que faz com que gostemos de uma pessoa e não de outra, que, aparentemente, nos poderia trazer menos dissabores? Até que ponto escolhemos as pessoas por quem nos apaixonamos? Esta pergunta foi feita pela terapeuta americana Anne Teachworth, fundadora e directora do Instituto Gestalt, no Estado de Nova Orleães. Com base na sua experiência clínica, a especialista em aconselhamento conjugal desenvolveu o modelo psicogenético, que pretende dar a conhecer os padrões de relacionamento inconscientes que todos temos na hora de eleger alguém para partilhar a nossa intimidade.No seu livro, intitulado "Porque escolhemos os parceiros que temos" (Why we pick the mates we do), a autora lança o desafio: “Podemos decidir o que queremos de um parceiro, mas existe uma parte de nós pré-programada e desconhecida e que é responsável pelas pessoas que atraímos, sem nos darmos conta.”Nestes casos, que Anne considera a maioria, os amantes podem funcionar como as peças perfeitas de um todo, apesar de estarem longe de formar o par ideal. De acordo com este modelo, aproximamo-nos de quem tem as mesmas questões que nós, os mesmos problemas não resolvidos e com uma herança familiar – ou história – semelhante (incapacidade para se entregar emocionalmente, medo de perder ou de ser rejeitado por quem se gosta, infidelidade, dependência, abuso ou abandono). Isso explica os frequentes desabafos – “O que é que eu vi naquela pessoa, que me faz a vida num inferno?” ou “Afinal tenho vivido ao lado de uma pessoa que desconheço”. Esse estranho parece ser a parte escondida de nós, a mesma que atraímos sem ter consciência, que se revela nos momentos de conflito.
O modelo explica ainda por que o amor é cego e, não raras vezes, fruto de “uma paixão à primeira vista”. Enamorados, os parceiros tendem a não olhar para “os pontos de fuga” e a concentrar a sua atenção nas fantasias de um futuro radioso, em que o outro vai preencher neles sentimentos reprimidos e carências de vária ordem, que já vêm do passado. No quotidiano conjugal, os tais programas inconscientes acabam por tomar o controlo e cada um reage ao outro como se ele fosse alguém com quem se viveu uma situação complicada. As expectativas depositadas naquela união acabam por ser defraudadas e o dilema só termina quando a pessoa percebe que está a viver o seu próprio filme através do parceiro.
Como sair desta encruzilhada? A razão por que muitas ligações amorosas colapsam prende-se com o facto de assentarem na paixão, fruto da química hormonal. Reconhece-se agora que a biologia do amor não dura mais do que dois anos, na melhor das hipóteses. Depois disso, poucos são os que conseguem passar o teste da realidade e recriar a relação noutros moldes e com outros pólos de interesse. Mesmo se a alternativa a um amor fracassado for outro romance com um parceiro exactamente oposto ao anterior, o problema tende a manter-se, uma vez que o padrão de relacionamento familiar permanece registado no cérebro emocional.
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