Na hora de procurar ajuda, saiba o que deve esperar
de um profissional. A sua saúde mental agradece
4 «regras de ouro»:
Certificar-se das credenciais do terapeuta
Procurar referências do mesmo
Indagar sobre o método usado e regras de funcionamento
Descubra se sente segurança e empatia na sessão
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A relação
terapêutica obedece a um setting com
regras próprias, em que o contacto físico não entra. A haver atração, ela deve
ser descodificada nas consultas, em benefício do paciente, sem que o clínico
aja como qualquer outra pessoa nessa situação (reforçando desse modo o
problema que a pessoa traz). Ao agir as fantasias do paciente, o resultado pode
ser contraproducente (ou não fosse por isso que as comédias acerca deste tema
têm sucesso garantido, porque facilmente as reconhecemos, tanto quanto as
tememos). Porém, a nível oficial, pouco ou nada se sabe acerca desta realidade
escondida (o relatório que analisa as queixas dos utentes, da responsabilidade
da Direção Geral de Saúde, não tem qualquer referência à área da saúde mental).
Ténue é a linha que separa o próximo do demasiado próximo. A questão é saber
como fazer quando isso sucede.
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Maria
(nome fictício) sofria de ansiedade social e tinha recorrido aos serviços de um
terapeuta conhecido. Após três meses de sessões, deu por si a ficar impaciente
pela sessão seguinte. «Chegava a ter consultas de quase duas horas, conversava
ao telefone com ele e uma amiga alertou-me para o facto de isso ser, no mínimo,
uma prática pouco ortodoxa.» No final de uma sessão, abordaram as dificuldades
de relacionamento de Maria e ele despediu-se dela com um abraço e um beijo,
acompanhado de carícias. «Fiquei desorientada, sem saber se devia ceder aos
avanços, apesar de ter vontade.» Desde esse dia, nada voltou a ser como antes.
«Comecei a sentir por ele tudo o que já havia experimentado em relacionamentos
que acabaram mal.» Durante a pausa da terapia, para férias, Maria recorreu a
outro profissional. Na terceira sessão conseguiu verbalizar o sucedido. Nunca
mais voltou ao primeiro consultório nem fez queixa, «por sentir medo e culpa»,
que está a explorar agora, num novo contexto.
A
confusão de fronteiras na dupla terapêutica tem feito correr muita tinta no
meio das celebridades, cujas vidas são alvo do escrutínio público. Basta recuar
um século para chegar à história de Sabina Spielrein, paciente de Carl Jung. O
discípulo de Sigmund Freud sabia que estava a explorar terreno minado ao
envolver-se sexualmente com Sabina, que veio a ser, igualmente, uma
psicanalista famosa. O caso gerou polémica por ter sido violado o código de
conduta, com consequências para os três visados, como o ilustrou, de resto, o
cineasta Cronenberg, ao ficcionar a história, em Um Método Perigoso. Casos em que terapeutas menos avisados se
renderam à sedução dos seus pacientes têm sido mais comuns do que o
recomendável, pondo a nu as fragilidades humanas. Nos anos 30, a escritora
Anais Nin, amiga e amante do seu psicanalista Otto Rank - outro dissidente de
Freud – viria a descrever esse envolvimento num dos seus diários, admitindo
publicamente o impacto que a experiência teve na sua vida, marcada pela relação
incestuosa que tivera com o pai. Nos anos 60, foi a vez de Marilyn Monroe e
Ralph Greenson. O médico abriu-lhe as portas da sua casa e apresentou-a a familiares
e amigos, por entender que assim podia reparar os danos sofridos pela rapariga cuja
infância fora passada em orfanatos e famílias de acolhimento. A morte da atriz,
por overdose de barbitúricos, representou a travessia no deserto para Greenson.
Um ano antes de morrer, redigiu o ensaio Problemas
em psicoterapia com ricos e famosos, onde refletiu sobre os riscos de
sucumbir ao poder sedutor dos pacientes, tomando como exemplo o caso «de uma
actriz de 34 anos, bonita e famosa, com personalidade limite, aditiva e
paranóide».
Quase
um século depois, a neutralidade do terapeuta é ponto assente, bem como a
capacidade de lidar com a transferência (sentimentos e crenças do paciente que
ele projeta no terapeuta).
O clínico e o paciente não são amigos, não almoçam
juntos e, excepto numa situação de emergência, não se contactam entre sessões.
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Para a psiquiatra Ângela Pires, o profissional deve preservar a sua vida
privada e manter-se firme e seguro para poder acompanhar a pessoa em tudo o que
ela sente, da zanga e fúria à paixão. Aceitar a pessoa que ali está implica, no
ambiente clínico, dominar a arte de gerir a distância. «Nem tão próximo que
perca o foco, nem tão distante que não se deixe tocar pelo paciente.» Quanto a eventuais
abusos, comentados em surdina, por parte de quem ajuda e de quem procura essa
ajuda, a médica adverte: «O envolvimento erótico do terapeuta é muito
semelhante ao incesto e traz danos, na medida em pressupõe que ele age por
vaidade, questões de ego ou inexperiência, em vez de traduzir um desejo de
intimidade do paciente, com bom senso e sem rejeitá-lo.»
O
que fazer, então, perante uma situação menos ética? David Neto, da Ordem dos
Psicólogos, recomenda: «Confrontar o profissional e esclarecer eventuais
equívocos e, se for uma queixa com fundamento, apresentá-la à entidade que o
tutela.»
Glen
Gabbard é um psiquiatra americano, famoso por avaliar profissionais de ajuda (padres,
médicos e psicoterapeutas) acusados de transgredir limites no exercício de
funções. Numa entrevista recente ao site do British
Psychoanalytic Council, o diretor da clínica Baylor, no estado do Texas, afirmou
que todos os clínicos são vulneráveis a passar das marcas, mas apenas os que
têm distúrbios da personalidade o fazem. E cita alguns exemplos de
transgressões, com caráter perverso: «Tratam as pessoas como suas amigas, outras
vezes convencem-nas de que estão apaixonadas por eles.» Valendo-se da sua
autoridade, criam falsas esperanças em quem as procura para apoio especializado
e exploram-nas, quando as deviam acompanhar e proteger. Em certos casos, essa
faceta revela-se, paradoxalmente, uma virtude. Glen, também autor do bestseller Psychiatry and the Cinema, explica porquê: «O público adora o tipo
de pessoa que faz algo radical para salvar o paciente, isso torna-o sedutor.»
Consciente
disso, uma jovem americana lançou, há dois anos, o conceito Terapia a Nu.
Apesar de não ser reconhecida no meio clínico, Sara White insiste que o seu
método – despir-se online, enquanto o paciente vai dando curso livre as suas
fantasias – está para o século XXI como a psicanálise o foi para o século XX. A
jovem argumenta, no site, que os homens estão assustados com as mulheres, que
tomaram de assalto o meio clínico, e que o meio virtual se lhes afigura
apetecível para se exporem, sem toque nem inibições, mas com sexo à mistura.
Poderá ser terapêutico para alguns, mas não é psicoterapia.
Texto publicado em Revista Máxima (Dez.2012)
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