E se um dia se cruzar na rua com alguém que lhe sugere
familiaridade, isso não é «amor à primeira vista» nem falta de memória. É um
sinal dos tempos
Os sistemas operacionais de internet estão a revolucionar a
maneira como nos cruzamos com desconhecidos. Nos últimos cinco anos, começou a
ser regra interagir virtualmente com pessoas com quem nunca estivemos face a
face. Seja por motivos profissionais ou outros, é hoje comum estabelecer
contacto sem qualquer registo físico. As redes sociais e os social media estão
a implantar-se enquanto novo contexto de comunicação e torna-se difícil, ou
praticamente impossível, memorizar com precisão onde, quando e como foram
trocadas impressões com alguém.
en.wikisource.org - drawings for beginners
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A falta ou o excesso de pistas de referência – contextuais, não-verbais
e sensoriais –, aliada à velocidade de processamento das informações
partilhadas, altera radicalmente a forma como se armazenam os conteúdos na
memória. Funcionar digitalmente enquanto ser analógico, tem que se lhe diga.
Sem «auxiliares de memória», ou «cábulas» virtuais incorporadas no cérebro, a
comunicação mediada pelas tecnologias portáteis acaba por ser agregada de forma
dispersa, fragmentada e volátil.
O paradigma «multi» - multi usos, multitasking,
multiplataforma… - pode ser fascinante e desafiador. As pesquisas efetuadas até
agora têm resultados controversos. Ora sugerem uma forte associação entre o uso
das redes sociais e o sentimento de pertença - os amigos, mesmo que virtuais,
fomentam o que hoje se designa por capital social – ora destacam a emergência
de emoções negativas, seja pela inveja desencadeada pelo aparente e constante bem-estar
dos protagonistas, «em grande estilo», ou pelo efeito de comparação – e competição
- social (cada post ou like evoca a mensagem «o meu é maior que o teu»).
Seja como for, a torrente de mensagens – umas mais
personalizadas que outras – deixa sempre uma marca. O grau em que ela se
inscreve nos circuitos neuronais e na memória afectiva de cada um parece decisivo
na forma como se associa um rosto aos conteúdos (imagens, texto, voz) que dele
se apreendem intuitivamente.
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Alguém com quem falámos (presencialmente, via mail ou por
Instant Messaging), alguém que apenas vimos (num evento social, na imprensa, na
TV ou nas redes sociais) ou simplesmente ouvimos (ao telefone, na rádio ou num vídeo
partilhado). Alguém que fixámos de forma mais imprecisa ainda, por ser em modo «second
screen experience» (uma presença fugaz, embora possa ser marcante, num tablet,
ipad ou smartphone, enquanto se está simultaneamente «ligado» num dos registos
anteriores).
Com todas estas dimensões em movimento, não há como saber,
em pormenor, se aquela cara é de alguém com quem estivemos, de facto,
testemunhámos apenas ou, pura e simplesmente é fruto de um sonho, da nossa
imaginação… ou da confusão de circuitos desarrumados que não há maneira de
colocar em modo «rewind».
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