Internamente, tendemos a medir o Tempo em função dos intervalos entre eventos que consideramos significativos - o nascimento de um filho, uma separação, etc. As experiências marcantes e o intervalo entre elas definem o nosso tempo (Kairós), são a timeline da nossa história, distinto do tempo cronológico (Chronos). A dupla natureza do tempo origina insólitas distorções percetivas.
A Persistência da Memória - Salvador Dali (1931)
- aumento do tempo de reacção: fisiologicamente, o relógio biológico tende a desacelerar com o passar dos anos e as horas do relógio parecem-nos, então, mais velozes, um erro de paralaxe: sentimos que não acompanhamos o ritmo, até porque o nosso tempo de reação se torna mais lento
- perceção e resposta de stresse: são precisas unidades de tempo extra para responder às mesmas exigências e pressões da vida adulta, que passam a correr, umas atrás das outras, ou todas ao mesmo tempo. De tão imersos nelas, damos menos atenção à cronologia. «O tempo foge entre os dedos».
- «meteorologia emocional» - no fluxo da consciência, passado, presente e futuro emergem, de modo não linear ou cronológica. A memória é influenciada pelas emoções, são elas que induzem a percepção do Tempo, esse continuum que não tem princípio nem fim. Assim se explica, por exemplo, a nossa tendência para olhar os eventos da adolescência e da infância - as nossas primeiras vezes, as descobertas - como tendo uma duração maior do que a efetiva. "Todo o tempo do mundo"
Somos seres analógicos num mundo digital. O nosso relógio interno pauta-se pelos marcos de vida (a narrativa pessoal): quanto mais espaçados no tempo (eventos menos frequentes, portanto), maior o desfasamento entre o "meu tempo" e o "dos outros". "Ainda ontem era um bébé, já está um homem".
A velocidade de Kairós depende da experiência consciente (consoante estamos acordados, a dormir, a sonhar, sob influência de drogas, em êxtase ou quando estamos a rezar, a meditar, a tocar ou a ouvir uma melodia). Há mesmo quem considere que, em certos estados mentais, se consegue transcender a barreira do Tempo, por se tornar tão lento ao ponto de parar completamente (sim, podemos chamar-lhe Nirvana).
A perspetiva temporal é uma das mais poderosas influências no comportamento humano
No seu livro Time Paradox (2008), o psicólogo social americano Philip Zimbardo defense que cada um de nós tem uma perspetiva enviezada do Tempo, com implicações óbvias na condução das nossas vidas.
- A má notícia: sem usar o que ele designa por "a nova psicologia do tempo", podemos ficar reféns de um padrão de pensamento e ação desvantajosos para nós.
- Exemplos : "Vivo o hoje, adapto-me às circunstâncias" (orientação para o presente), "Há que andar para a frente, planear, fazer listas" (orientação para o futuro), "No meu tempo... o tempo é cruel... se eu tivesse outra vez 20 anos" (orientação para o passado).
- A boa notícia: é possível introduzir mudanças na nossa perspetiva temporal e, com isso, fazer os ajustes necessários para restaurar a nossa qualidade de vida.
O questionário para quantificar a Perspetiva do Tempo trouxe a Zimbardo tanta ou mais popularidade do que a Experiência da Prisão de Stanford (1971), estudo que foi adaptado ao cinema no início deste ano. A simulação, com estudantes universitários, durou apenas seis dias, altura em que foi interrompida, pelo rumo dramático, e inesperado, dos eventos. Conclusão: pessoas boas podem tornar-se infernais num contexto que o permita (o estudo voltou a estar na ribalta, após os abusos praticados, em 2004, na prisão de Abu Ghraib).
Agora, que a prática do Mindfulness - atenção plena - está a conquistar executivos, académicos e a chegar, através de workshops, ao cidadão comum, as últimas tendências da investigação neste campo sugerem três pistas para mudar a perspetiva de tempo, com benefícios na saúde e na longevidade:
Abrandar
Meditar
Estar atento
OBS:
Este texto foi escrito entre ontem e hoje. Foi uma agradável supresa descobrir, também hoje, a edição de aniversário do jornal Público, gratuita e inteiramente dedicada ao Tempo. Ainda consegui ir a tempo de encontrar um exemplar e, já que em matéria de tempo, "não há duas sem três", enquanto conduzia até casa,
com o rádio ligado, apercebi-me da abertura da exposição The Clock, de Christian Marclay, a decorrer até 19 de Abril, no Museu Berardo, em Lisboa.
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