sexta-feira, 11 de abril de 2014

Do Divã para a Cidade


Psicólogo americano traz a Lisboa documentário sobre cenários de trauma. Seguir em frente sem ficar perdido nos escombros, em Detroit ou noutro lugar do planeta, só é possível quando se criam pontes entre o fim e o princípio

Como se superam experiências de desmoronamento, que abalam o sentido de permanência? Camuflar ou passar uma esponja nos sentimentos de dor, perda, nostalgia pelo que não vai voltar a ser como antes, impede a transição, o estar bem com o depois, sem resistir às mudanças. No próximo sábado, dia 12, no encontro anual da AP (Associação Portuguesa de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica), dedicado ao trauma, o psicólogo e psicanalista americano Richard Raubolt vai partilhar histórias de reconstrução humana que, ao longo de 35 anos, foram tendo lugar no gabinete de consulta (narrativas terapêuticas em forma de livro, Cenários Psicanalíticos do Trauma, Coisas de Ler, €17) e, mais recentemente, na paisagem urbana. 

Richard vive em Grand Rapids, no Estado de Michigan, a duas horas e meia de Detroit, cidade que conheceu e com a qual se envolveu (ali passou os tempos de liceu e esteve nos motins de 1967). Confrontado com o impacto visual da cidade fantasma e as reportagens fotográficas de edifícios sem gente, Richard entendeu que era preciso levar o olhar terapêutico ao bairro, à periferia e dar a ver outras realidades. "Abordei residentes, artistas e activistas, nos mesmos moldes em que o faço em contexto clínico, para os protagonistas expressarem os sentimentos e as histórias por que passaram, e do que estão a fazer com isso."
Detroit: In Between é uma viagem de 34 minutos, com a voz e os rostos de seis pessoas que habitam - e intervêm - na cidade em transição. Os espaços renovam-se, ganham outras funcionalidades, sem abandonar as que as antecederam, ou melhor, reconhecendo-lhes valor. Como a casa cortada a meio por uma nova estrada em construção que, em vez de demolida, é parcialmente usada para iniciativas culturais. "Os rituais de luto individuais e a expressão criativa permitem criar algo intermédio, onde o velho e o novo possam coabitar", explica o terapeuta /realizador. "Eliminar ou negar o que foi traumático impede que a mudança aconteça, que tenha direito a um lugar."      
Os fantasmas do passado das vítimas representam assuntos não resolvidos e intergeracionais, que merecem, segundo o autor, uma abordagem terapêutica mais ampla, "que se guia menos pelas interpretações académicas e se aproxima mais do paciente, sem temer a intensidade emocional que isso envolve". Na sala de consulta e no tecido urbano: "Precisamos de entrar na cidade, vê-la a partir de dentro e usar as competências clínicas em projetos com um alcance direto, que tragam significado à vida das pessoas."
C.S.
(publicado no site da Visão, a 11.04.2013)

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