terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Confiar

     (foto de: igotaphyaflyjones.wordpress.com/)

Benditos os que não confiam a vida a ninguém.
(Fernando Pessoa)

Envolvemo-nos. Sabemos, desde a primeira respiração, que nada será como antes.
Aprendemos a caminhar caíndo e, sem saber como, os pés palmilham caminhos seus, guiados por fantasias e sonhos, que guiam a idade adulta.
Envolvemo-nos, com pessoas, com causas, para sentir que pertencemos. Mas crescer é afastar-se. Por cada passo dado, há outro que fica para trás, é passado. O tempo traz perdas necessárias. Evoluir é, entre outras coisas, saber deixar ir (os filhos, depois de «criados», os amores, os rancores). Não é por acaso que na Psicologia se diz usam conceitos como «diferenciação».

Quanto mais crescemos, mais sabemos, pela experiência da viagem, que nos afastamos. De casa, de amigos, de empregos, de relacionamentos, de crenças. As células que não se diferenciam morrem. Estamos condenados a e-voluir (movimento no sentido externo aos limites conhecidos).  Há quem não suporte a sensação de des-envolver-se. Na viagem, a gente perde-se, assusta-se, quer voltar para trás, deitando mão a paleativos vários. Cigarros, copos, comprimidos, paixões súbitas, fórmulas de auto-ajuda. Tudo vale para adormecer a angústia e devolver a sensação de estar completo, envolvido, sem querer asas para voar.

Muitas vezes, «viver» pode querer dizer «não crescer». Resignar-se com a incomodidade de uma vida traçada a régua e esquadro, em que a alma inquieta quer voar e não pode. Os que ousam fazer a travessia sem guarda-costas, com confiança, conquistam a arte do desapego puro, agostiniano, impermeável ao pânico.
Desenvolvemo-nos quando somos capazes de nos vermos partir. O desapego, mais do que a vinculação, é a essencial à evolução.