(publicado na revista Visão - edição especial Visão Futuro. 26.02.2015)
Famoso pelas suas descobertas e previsões, multipremiado inventor
americano Raymond Kurzweil quer transcender a fronteira da vida humana e está a
trabalhar para isso
Por Clara Soares
Que idade vai ter daqui a 30 anos? O autor do livro A Singularidade Está Perto, lançado há
uma década, fará 97 em 2045, no ano em que, segundo os seus cálculos, a
inteligência artificial (IA) vai ultrapassar a inteligência humana e haverá uma
fusão desta com a das máquinas. Na prática, teremos nanobots (micro
dispositivos do tamanho de uma célula) dentro do nosso corpo a combater doenças
e a expandir a memória e as competências cognitivas. Os avanços da tecnologia médica
tornarão possível acrescentar mais de um ano à nossa esperança de vida, por
cada ano vivido. Bem antes disso – entre 2020 e 2030 – é expectável que
ultrapassemos os nossos limites biológicos e nos liguemos à internet por microchips implantados no cérebro. E que
experimentemos a realidade pelos sentidos de outra pessoa, via wireless e em tempo real.
Estamos a falar do diretor de engenharia do Google,
contratado pelo CEO, Larry Page, para «trazer a compreensão da linguagem
natural» ao gigante tecnológico. Do fundador da Universidade da Singularidade,
no espaço da NASA e financiada pelo próprio Google, com a intenção de preparar,
em nove semanas, uma tropa de elite para lidar com possíveis efeitos adversos
da nanotecnologia, como o risco potencial da replicação descontrolada de
nanobots (onde é que já vimos isto? Em Blade
Runner, de Philip Dick?)
Ray, como também é conhecido, tinha cinco anos quando quis
ser inventor. E foi. Conseguiu construir e comercializar sistemas de
reconhecimento ótico de carateres, conversores de textos escritos em voz, para
invisuais, sintetizadores de voz e outros, capazes de imitar com precisão o som
de instrumentos reais, como o piano. Hoje é reconhecido como um dos
revolucionários que fez a América e além de aplicar a tecnologia à arte,
dedica-se sobretudo à investigação do cérebro humano, que pretende aplicar à
construção da inteligência artificial.
Previsões de um Agnóstico
Aos olhos do cidadão comum, Ray Kurweil tem uma vida normal e uma veia empreendedora. Filho de artistas e ascendência judaica, aprendeu com o tio, que trabalhava na IBM, o b-a-ba sobre computação e nunca mais parou (o Wall Street Journal chamou-lhe «o génio Incansável»). Todas as empresas que criou tiveram sucesso e vendeu-as, permanecendo como consultor de boa parte delas, sem nunca lhe faltar espaço para a vida familiar. Casou com a psicóloga infantil Sonya Rosenwald Fenster antes de fazer 30 anos e tiveram dois filhos (Ethan trabalha em capital de risco e Amy é coreógrafa).
O que distingue um visionário são as suas singularidades. Agnóstico e adepto do pampsiquismo (doutrina que advoga a existência de uma consciência universal e a hipótese de as nossas mentes estarem ligadas, de modo não causal), Kurzweil surpreendeu tudo e todos quando as suas previsões (feitas em 1990 para o início do século XXI) se confirmaram. Levá-lo a sério constitui um desafio empolgante, embora arriscado.
Testar e expandir os limites da vida é o seu projeto mais insólito. Pouco depois de atingir meio século de existência, Kurzweil associou-se a uma empresa especializada e, quando morrer, revelou numa entrevista à Wired, será vitrificado em nitrogénio líquido e injetado com criopreservantes. A ideia é
preservar o seu corpo e conseguir restaurá--lo na altura certa e, eventualmente, fazer o mesmo com o pai. Como? Sim, Kurzweil admitiu há alguns anos à Rolling Stone o desejo de fazer uma cópia genética do seu pai, Frederic, a partir da exumação e extração do seu ADN e implantar num clone as memórias que tem dele. Ficção? Talvez sim, talvez não. Perto de 2045, falamos.
Uma Vida Invulgar
Datas marcantes no percurso de Kurzweil
1948: Nascimento
5 anos: Exposto a diferentes filosofias, decide ser
inventor
14 anos: Ávido leitor de ficção cientifica, fazia jogos e
teatros robóticos e apresentou a sua teoria do neocórtex à Westinghouse Science
talent Search e torna-se um dos vencedores, conhece o presidente Johnson
15 anos: Escreve o seu primeiro programa de computadores
17 anos: apresenta num programa de tv uma peça de piano
composta p um computador criado p ele e ganhou um premio, sendo homenageado
pela casa Branca
20 anos: No MIT, funda empresa que usava programa para
combinar estudantes e universidades, que vende por 100 mil dólares e royalties
22 anos: Bacharelato em ciência de computação e literatura
(1970)
26 anos: Funda empresa com o seu nome, com o primeiro sistema
de reconhecimento ótico de carateres
27 anos: Casa com a psicóloga Sonya Rosenwald Fenster
28 anos: Digitalizador CCD e sintetizador de voz, que levou
Stevie Wonder a comprar a primeira versão e a iniciar uma longa amizade com ele.
30 anos: Vende a empresa à Xerox e ficou como consultor ate
meados dos anos 90
34 anos: Funda a Kurzweil Music Systems e, dois anos depois,
o Kurzweil k250, o primeiro sintetizador capaz de recriar o piano e outros
instrumentos de orquestra, empresa que vende à coreana Young Chang, oito anos
mais tarde
35 anos: sofre de intolerância a glucose e conhece o medico
Terry Grossman, com convicções não convencionais semelhantes às suas e
dedica-se a um regime com 250 suplementos, 8 a 10 copos de agua alcalina e 10
copos de cha verde diariamente, para «reprogramar» a sua bioquímica.
39 anos: (1987) cria a Kurzweil Applied Intelligence (KAI)
para dv sistemas comerciais de reconhecimento da fala
42 anos: Funda a Medical Learning Company (programas
interativos para médicos e a KurzweilcyberArt.com e publica The Age of
Intelligent Machines (1990). O seu pai morre com 58 anos, vitima de enfarte
45 anos: Publica livro sobre nutrição em que advoga o corte
de calorias/gorduras consumidas para 10% do atual
48 anos: Lança a K Educational Systems (dv tecnologias de
reconhecimento de padrões para pessoas com deficiências como cegueira e dislexia)
51 anos: lança The Age of Spiritual Machines (1999) sobre o
futuro da tecnologia, onde prevê que os computadores iriam ser superiores à
mente humana e na capacidade de tomar decisões de investimentos lucrativos.
Conquista prémio National Medal of Technology (1999), pela mão de Clinton, na
Casa Branca
57 anos: K-NFB Reader; dispositivo c câmara e computador,
permite a leitura em voz de texto escrito e colectar texto por imagens e lança o livro A singularidade está perto: uma história verdadeira sobre o futuro (2005)
61 anos: Em colaboração com a Google e a Nasa, anuncia a
criação da universidade da Singularidade para executivos e oficiais
governamentais, com a meta de inspirar lideres a inovar. O programa tem 9 semanas
e assenta no conceito de Vernor Vinge, escritor e cientista de computação
62 anos: É lançado um documentário sobre a sua vida, O Homem
Transcendente
64 anos (2012): É contratado pela Google para desenvolver
projetos de aprendizagem de máquinas e processamento e lança livro, Como Criar uma mente: O segredo do pensamento humano revelado
66 anos: Defende que duplicar a arquitetura cerebral em máquinas pode conduzir a uma super inteligência artificial
2045: É a data em que, acredita, teremos descoberto o segredo da imortalidade. Se lá chegar, terá 97 anos