sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O que querem as mulheres

Lutam para sair dos guetos para os quais a sociedade as empurram. Correm ainda pela igualdade. Querem sucesso e estão a tê-lo. Falta-lhes desembaraçar-se de alguns mitos e obter a cumplicidade (e a emancipação) dos homens

Por Clara soares


As mulheres têm mais que fazer,com as tarefas de sempre. As domésticas (uma minoria mais abonada só usa avental em ocasiões raras), as profissionais, os passatempos (nem que seja a saída semanal com as amigas ou o ginásio para manter a forma) e as compras. As roupas e os acessórios importam, seja porque as fazem sentir-se confiantes – ou compensadas por tantos deveres e afazeres. Não é por acaso que, segundo os estudos de mercado, elas surgem como as principais consumidoras de vestuário, serviços de estética, produtos de beleza e perfumaria. Mas como gerem elas, no quotidiano, a imagem de “supermulheres”?

São cada vez mais as mulheres que optam por viver sozinhas, sem que tal constitua um estigma social. Um estudo realizado no ano passado pela Pew Internet and American Life Project mostrou que o local de trabalho é o sítio onde a probabilidade de iniciar relacionamentos é maior (38 por cento). Porém, e de acordo com o mesmo estudo, mais de metade dos americanos solteiros (que representam 43 por cento da população adulta) não estão interessados – contrariamente ao que seria de supor – em encontrar a alma gémea. Uma atitude inédita, que costuma ser mais comum entre mulheres, divorciados ou viúvos.

Uma sociedade onde elas progressivamente conquistam influência e poder compromete – e bastante – o estatuto masculino, ao ponto de mexer com valores tão básicos como a virilidade. Será que também eles se sentirão tentados a gastar o dinheiro que elas ganham? Estarão dispostos a ficar em casa a tomar conta dos filhos e do lar, sem “perder a face”? E caso não estejam à altura de aceitar tal desafio, voltarão a correr para os braços de mulheres menos exigentes e poderosas, que os mimem e cuidem, sendo financeiramente dependentes deles?

O modelo da economia global deixa pouca margem para os conceitos de vida praticados nos anos 60, por exemplo, em que ainda era de lei a mulher ficar em casa e sobrava mais tempo para a vida conjugal. Hoje, essa área está em crise. Entre as muitas razões que levam ao fracasso do casamento tradicional, destaca-se a organização do trabalho. A tal ponto que a escritora e psicanalista francesa Corinne Maier se tornou famosa quando pôs o dedo na ferida. No seu livro Bom-dia Preguiça (versão francesa, 2004), lançou a polémica no meio empresarial, ao alertar os leitores para que façam o menos possível e não assumam responsabilidades no contexto laboral. Porquê? Porque nas empresas as pessoas se convertem em novos escravos, a quem se exige sempre mais a troco de um simples contrato de trabalho. A título de exemplo, refira-se que um executivo americano passa, anualmente, em média, 68 horas ao telefone e apenas 26 horas a ter relações sexuais.

O cenário tem uma dimensão expressiva nas grandes metrópoles do continente asiático: num universo repleto de gente anónima, os encontros assumem, com frequência, uma dimensão secundária relativamente às comunicações virtuais e às funções sociais de cada um.
No plano dos afectos, a realidade japonesa parece ter atingido um impasse, com cada vez mais mulheres solteiras – para quem a identidade já não passa por casar – e divorciadas. O cenário afigura-se temerário para o grupo dos homens casados, de tal forma que alguns decidiram criar uma associação para aprenderem a salvar os seus casamentos

No seu livro À Procura da Intimidade (Edições Asa, 2005), a psicóloga Maria Emília Costa explica por que é preciso que os cônjuges façam uma revisão das suas premissas de vida, de modo a não terem a impressão, tantas vezes incómoda e paralisante, de que investir na relação é sinónimo de perda de identidade.

Através dos casos que ilustram este dilema, a investigadora mostra como os modelos de intimidade espelham as regras com que aprendemos a amar desde a mais tenra infância – mesmo apesar da evolução dos modelos sociais, que defendem o crescimento individual. “Isto tem a ver com as heranças de valores, que se impõem ao discurso politicamente correcto”, esclarece a autora. Refere-se aos modelos culturais que são transportados para a educação. “Enquanto filhos, sabemos que é frequente, ainda, o pai perguntar ao filho adolescente quantas namoradas ele tem, mas se faz uma pergunta desse tipo à filha, é capaz de resumi-la ao singular (namorado)”, conclui. E isto “emperra” as melhores intenções liberalizantes, quer se queira quer não.

Este paradoxo entre ser igual e diferente, autónomo e dependente, afigura-se um verdadeiro quebra-cabeças para os homens. Alexandre Cruz Almeida, um brasileiro com 29 anos, com um site e um blog onde aborda com bastante humor as relações entre sexos, mostra, a partir de um detalhe quotidiano, aquilo a que chama esquizofrenia da mulher moderna: “Por um lado, a minha esposa quer que eu seja independente e saiba cuidar de mim; por outro, precisa que eu seja dependente dela – na forma como me apresento vestido, por exemplo – pois sabe que a sociedade a vai julgar como mulher se eu estiver com mau aspecto ou a camisa por passar.”

Em As Mulheres Querem Tudo , ele brinca com o facto de as mulheres emancipadas quererem por perto um homem Neandertal (forte e protetor), que seja também um gentleman, cheio de sensibilidade. “Elas nunca sabem que tipo de homem procuram, por isso escolhem um e tentam, em vão, mudá-lo; eles sabem exactamente a mulher que querem e não desejam que ela mude, reclamando logo quando elas querem mudanças.”

Voltando ao curso para homens, de Bob Gottfried – uma iniciativa que, por enquanto, não tem eco no nosso país –, pode revelar-se útil saber que “as mulheres querem sentir-se desejadas e precisas, falar de tudo um pouco com subjectividade, ter ao pé de si homens fortes mas que astratem com gentileza”. O mentor desta formação gratuita aconselha-os a fazerem aquelas pequenas coisas que eles não valorizam, mas que fazem toda a diferença para elas (arrumar o ketchup no sítio certo ou fechar a tampa da sanita, por exemplo). E dá algumas dicas para relaxar (exercícios respiratórios anti-stress), em vez de serem reactivos face a tais “miudezas”.

Se forem capazes de seguir o conselho – de homem para homem –, conseguirão que elas se sintam compreendidas e que façam por eles o que, no fundo, eles mais querem: “Serem reconhecidos por trabalharem a sério, serem poupados a sermões e queixas, terem o seu momento de sossego em momentos de stress, ter a graça de as ver fazer o que eles não gostam em casa, sair com os amigos e… claro, sexo.”

Excerto de artigo publicado na Revista Máxima

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Sexo no feminino

Jornalista, casada há 18 anos e com um filho, Sylvia de Béjar publicou mais de uma centena de artigos sobre relações de casal, sexualidade e psicologia em diversas revistas.
O seu livro é um convite à descoberta de si, nos relacionamentos íntimos.
Por Clara Soares

O que a motivou a escrever, num estilo tão directo e pessoal?
Li muito, consultei vários sexólogos e ginecologistas, falei com mulheres e escutei-me a mim mesma. Foi um ano e meio de trabalho que me absorveu completamente, a escrever e reescrever conteúdos, para ficar compreensível e sem falhas.

Quais foram as reacções ao livro?
Médicos e psicólogos têm-no recomendado aos clientes e chegaram a perguntar-me: “Como sabe isto?” Com conhecimento de causa, respondi: porque já experimentei com o meu marido. A resposta dos leitores – os homens também o leram! – não podia ser melhor. Para mim, também foi bom. Compensei tanto tempo de trabalho com uma semana de férias a dois num barco, em Ibiza, com muito amor e, claro, bom sexo (risos).

O que é o bom sexo?
A parte lúdica, que se joga por divertimento, de forma criativa e experimental. Como em qualquer jogo, só depois de se jogar – de se provar, no caso do sexo – é que se descobre do que se gosta e não se gosta, e se pode escolher modalidades, sem ter de repetir as que não agradam!

Isso não acontece na prática?
Acontece muito menos do que deveria acontecer. Muitas mulheres com quem falei levam muitas coisas para a cama e, quando estão a fazer amor, não tiram o devido partido do momento. Porque não se sentem à vontade e pensam no que está errado com elas, porque ficam ansiosas por poderem transpirar, por não terem as medidas que acham que deviam ter, entre outros detalhes. Com isso esquecem o lado divertido. Comportam--se como se não tivessem direito ao prazer. A atitude delas contrasta com a do sexo masculino, muito mais focado no gozo do que na mente.

As mulheres continuam prisioneiras da imagem?
É um facto. Quanto mais preocupadas, menos atentas à sua satisfação sexual. Por exemplo, uma mulher preocupada em esconder uns quilos a mais, quando se despe, não está totalmente presente. O parceiro sente e isso não é agradável. Gostaria que um homem que está a fazer amor consigo lhe dissesse: “Já viste a minha barriga?” Eles não vêem a celulite como nós, os pêlos, as estrias, querem alguém que esteja ali, envolvida no que está a fazer. Eles sentem-se valorizados com uma mulher que consegue entregar-se com gosto.

A falta de desejo delas tem a ver com o facto de os homens ignorarem aquilo que as satisfaz na intimidade? Numa sondagem feita em Espanha, verificou-se que 10% dos homens, independentemente da idade, afirmavam que procuravam dar prazer às suas parceiras. Perceberam que existem outros tipos de estimulação além do coito. O tempo que dura e as vezes que se faz são aspectos secundários.

A corrida ao orgasmo não é obrigatória...
O melhor é o durante. Muitas mulheres preferem satisfazer-se sozinhas porque não se satisfazem com os parceiros que já tiveram.

A monotonia conjugal é incontornável?
A sedução é uma capacidade que todos temos e requer inovação. Às vezes, basta passar a noite num lugar diferente, outras pode-se ficar pelo prazer de uma simples massagem, sem ter de fazer mais nada. Mas há também o dia em que um pode tocar mas o outro não. Quando se introduz um elemento de diferença, fazer amor ganha um sabor especial.

O que pode comprometer a espontaneidade no sexo?
Já pensou porque é que mais de metade das mulheres não deseja ter sexo com o cônjuge? Porque não se divertem. Nunca aprenderam, não sabem. A vida sexual é um processo que se aperfeiçoa ao longo da vida. Eu mesma, aos 40, gosto de coisas que antes não apreciava e de outras que nem sabia que existiam ou não me atrevia a dizer.

Por exemplo?
As fantasias. Muitas mulheres temem assumir que gostam de se sentir dominadas pelo homem quando fazem amor. Outras até o confessam às amigas, mas não a ele, por recearem que ele fique intimidado. Outras ainda por vergonha.

Que pensa do sexo sem envolvimento afectivo?
O sexo vale a pena se for feito com consciência e se tiver qualidade. Em nome do amor, muitas mulheres têm uma vida sexual sem qualidade. Amor e sexo não são a mesma coisa. O sexo com amor é a melhor coisa. Mas amor com mau sexo não é a mesma coisa.

Que sugere às mulheres que não se sentem sexualmente realizadas?
Que apostem numa atitude mais activa. Não adianta trocar de parceiro, imaginar que vai aparecer o Príncipe Encantado com a fórmula do prazer. A liberdade também é uma conquista pessoal a fazer, aprender a desfrutar-se, a tirar partido de si, e não apenas cuidar do lado cosmético.

Sylvia dixit
• O sexo começa no cérebro (a imaginação é um afrodisíaco)
• Prazer e autocensura não combinam
• A reconciliação com o espelho é vital para se sentir sexy
• Sexo e coito não são sinónimos
• A penetração vaginal não é suficiente (na maioria das mulheres) para alcançar o clímax
• 7 em cada 10 mulheres atingem o orgasmo pela estimulação do clítoris
• A estimulação manual (masturbação) é tão importante como outras práticas sexuais
• Sem conhecer bem o corpo (e o que o satisfaz) não se é dona da sua sexualidade
• Orgasmo e ejaculação masculina não são sinónimos (eles podem ejacular sem ter orgasmo ou alcançá-lo sem ejacular)
• Não há modelos sexuais ideais: cada mulher (e cada homem) deve criar o seu
• No sexo, querer controlar tudo é o mesmo que não se permitir desfrutar e aprender
• Pornografia, brinquedos sexuais, cibersexo e fantasias não são interditos, mas complementos saudáveis do prazer
• O bom sexo (oral, anal, coital) não é algo que lhe acontece mas algo que fazemos com que aconteça

Excerto de entrevista publicada na revista Máxima (2002)

domingo, 23 de janeiro de 2011

Independência emocional

A psicanalista Mariela Michelena, a autora do livro Mulheres Mal-Amadas (A Esfera dos Livros), desmonta o puzzle emocional feminino residente nas mulheres para quem “amar é sofrer”. Alternativa? Rever e mudar de crenças e seguir em frente, de cabeça erguida.



Amar não é sofrer.

Por Clara Soares

Porque se interessou por este assunto?

Quando comecei a receber no consultório mulheres de todas as idades, profissões e estratos sociais, que pretendiam acabar com o sofrimento provocado por relacionamentos insatisfatórios. Todas tinham em comum a escolha do parceiro errado. Mesmo quando terminavam, por exaustão, envolviam-se logo a seguir numa relação parecida: dor, dependência do outro, ansiedade.

Que se passa com essas pessoas?

Pode ter havido um pai que não estava presente ou não satisfez as necessidades afectivas da filha, em pequena. Essas são as que vão depois sentir-se atraídas por homens que não cuidam, que não estão atentos.

Se é assim, é preciso que existam homens com um padrão específico, para se ligarem a elas.

Tradicionalmente, os homens procuram uma mulher como a mãe.

O que leva uma mulher ao fracasso amoroso?

Somos biologicamente programadas para nos esquecermos de nós durante alguns meses por um bebé. O problema é quando a mulher usa a função materna com um senhor com bigode!.

Como reagem quando se dão conta desse equívoco?
Ficam surpreendidas, às vezes chocadas. O lado positivo da questão é descobrir que podem mudar essa maneira de estar, aos poucos. “Que acontece se eu não responder à chamada dele?” “E se eu decidir não ir ao seu encontro no fim-de-semana e optar pelas amigas, como ele costuma fazer?”

O amor sem reservas não existe?

Um amor incondicional pode parecer muito generoso, mas é também uma forma de egoísmo, que não leva o outro em conta.

Mas nestas relações o outro é que é visto como egoísta.

Sim. Fala-se muito da baixa autoestima nestes casos, mas não concordo. Acho antes que estas mulheres têm uma auto-estima exagerada. Sentem-se omnipotentes, dispostas a perdoar tudo e a mudar o outro.

O que fazer neste caso? Estabelecer limites?
Precisam conhecer-se, descobrir o que gostam e o que esperam de um homem. Definem-se os limites logo no início.

Continua válida a máxima “elas querem mais afecto e menos sexo”?
O sexo interessa a homens e mulheres, o relógio biológico de cada um é que é diferente. No plano inconsciente, o primeiro encontro de um homem leva-o a perguntar: “Poderei ir para a cama com ela?” No feminino, a questão é algo do género: “Como seria ter um filho deste homem?” Pensamos no sexo, mas o desejo de constituir família é muito forte.

Porque há tantas mulheres sozinhas?
Depois dos 40 a solidão é dura. Há mulheres desesperadas, querem uma relação a todo o custo. Eles suportam menos a solidão e têm uma gama maior de escolha, são menos exigentes. Um quarentão pode escolher uma parceira com 20 ou outra com 40 anos. Uma mulher madura pode eleger um de 45 ou 50, porque o que tem 60 é capaz de não lhe agradar para o sexo e o de 20 não vai olhar para ela, quando tem outras mais novas.

Diz-se que quem muito escolhe pouco acerta.
As mulheres têm uma maior capacidade para estarem sós, em relação aos homens, porque vão construindo uma rede social, onde as amigas têm várias funções protectoras.

Mas aspiram sempre a uma relação íntima estável.
Não é esse um desejo legítimo? Se lhes traz sofrimento é um mau negócio. Os anos vividos ao lado de alguém que não gosta de nós são anos perdidos que podiam ter sido usados na procura de outro parceiro, que valesse mais a pena.

Quais são os erros de percepção mais comuns a ambos os sexos, nas relações íntimas?
O homem pretende uma mãe, a mulher deseja um deus. Há que enfrentar decepções e seguir em frente, construir relações. Os problemas e marcas de infância não justificam uma vida insatisfatória, é preciso assumir a responsabilidade pelos nossos actos.

www.maxima.pt (in MSN)

Bem-me-quer, mal-me-quer

A proximidade mata o amor? Para algumas pessoas, sim. Outras vêem-na como um combustível vital para a sua sobrevivência.


Imagem do filme 'Closer'

Por Clara Soares

As suas mentes cruzaram-se num blogue, trocaram impressões e desafios no Messenger e viveram emoções intensas no segundo encontro face-a-face. Foi-se criando uma rotina confortável, alternando a vida a solo e os momentos de partilha de espaços privados. “Na minha casa ou na tua?” Mariana e Miguel, divorciados e sem filhos, vivem a alguns quilómetros de distância um do outro. De um momento para o outro, começaram as discussões em torno do espaço entre eles. Miguel começou a enjoar tanta proximidade e a dar sinais de distância, tinha a impressão de a ver entrar um pouco mais dentro dos seus assuntos pessoais, reivindicando mais a presença dele. As partes envolvidas começam por bem se querer e vivem descontraidamente as delícias da paixão; quando esta abranda, começam a ver-se sem os efeitos inebriantes das hormonas. E é nesse momento que as fronteiras de cada um começam a definir-se e a tornar-se conscientes. Acaba-se o “dois-em-um” e começa o “eu não sou o outro.” Se esta fase de discórdia e desencontro não for dissecada pelos dois, não há relação que resista, porque a liberdade de um implica sempre o sacrifício do outro.


Aos 37 anos, Mariana ainda recorda este caso de amor, vivido há dois anos. “Não entendo porque é que certas pessoas têm tanta relutância a viver em conjunto; e logo começam com a conversa do espaço”, critica. Hoje, orgulha-se de estar a viver ao lado de outro homem que a “bem-quer”, embora sinta algumas saudades do tempo em que esteve sozinha. Em certa medida, até compreendia o Miguel, dois anos mais novo e saído de um divórcio quando se conheceram: “A vida sem compromissos tem os seus encantos e estimula-nos a ir à procura do que nos possa dar novidade e outro fôlego.” Porém, diz não dispensar as alegrias mornas da vida a dois, sem a qual a sua vida carece de sentido.A nostalgia de Mariana é um sentimento comum a muitas mulheres para quem a vida só tem sentido se for vivida ao lado de alguém. Pode até não ser o melhor amante do mundo, pode limitar-nos a liberdade e nós até deixarmos, pouco importa se em troca se tiver um ombro amigo que faça a gente sentir-se mais gente aos olhos do mundo. Os psicólogos sociais chamam-lhe solidão acompanhada, uma falsificação do amor. Os filósofos consideram tratar-se de um problema existencial. “Se o outro serve apenas para a satisfação dos nossos desejos, então não o vemos como pessoa, amamos egoisticamente e acabamos por sentir que nos falta sempre alguma coisa.” Quem o afirma é o filósofo Lou Marinoff. Quando esteve em Portugal, o autor do livro "Mais Platão, Menos Prozac" (Editorial Presença) acrescentou: “As pessoas que se sentem rejeitadas fazem a sua felicidade depender do outro, mas não percebem que a realização pessoal só se encontra dentro delas.”


O aconselhamento filosófico, actualmente em voga nos Estados Unidos, parece estar a dar resposta a necessidades e questões que não são puramente psicológicas ou emocionais, mas existenciais. “Hoje é comum as pessoas terem crises de identidade porque a sociedade da informação mecanizou o espírito, retirando energia e a capacidade para a reflexão. A crescente crise que afecta os relacionamentos advém da incapacidade para parar.”No outro prato da balança situam-se os parceiros que estão sempre em fuga. Entre as formas de mal-me-querer, destaca-se aquela em que se põem sempre os outros à distância, simplesmente por medo de se ficar confinado a quaisquer vínculos. Mas neste caso, admite Lou Marinoff, o problema é mais de ordem psicológica e social. Psicanalistas famosas, como Susie Orbach (foi terapeuta da princesa Diana) defendem que, na base dos processos de rejeição – seja quem afasta ou se sente afastado –, existem sentimentos de desconfiança e incompreensão e o medo (ou a necessidade extrema) de fusão de identidades, como o experimentado desde a mais tenra infância. A separação das águas impõe-se em qualquer relação madura, para não comprometer ou ameaçar a expressão saudável da individualidade.

www.maxima.pt (in MSN)

As raízes do amor

Seremos realmente livres na escolha de quem amamos? Alguns terapeutas garantem que não. Os papéis aprendidos na infância condicionam as relações amorosas na idade adulta.



Por Clara Soares

Rosália e Alfredo conheceram-se, apaixonaram-se, casaram, mas não viveram felizes para sempre. Após uma separação de alguns meses, Rosália admitiu que tinha com o marido reacções muito semelhantes às que tivera com namorados anteriores e chegou a ponderar a hipótese de refazer a sua vida sozinha. Alfredo procurou entretanto outras companheiras, mas constatou na prática que eram muito parecidas com a que elegeu para mulher, anos antes. Cansados e impotentes, dispuseram-se, pela primeira vez, a avaliar o que poderiam fazer de diferente para alterar o curso dos eventos que levaram à crise conjugal. Rosália decidiu-se a telefonar ao marido a propor-lhe uma nova oportunidade. “O que fiz de bom por mim sem tu estares ao meu lado? Quais são os meus pontos fracos? As minhas necessidades? O que posso dar-te sem cobrar?” As questões foram postas na mesa e o saldo tem sido positivo.


O que faz com que gostemos de uma pessoa e não de outra, que, aparentemente, nos poderia trazer menos dissabores? Até que ponto escolhemos as pessoas por quem nos apaixonamos? Esta pergunta foi feita pela terapeuta americana Anne Teachworth, fundadora e directora do Instituto Gestalt, no Estado de Nova Orleães. Com base na sua experiência clínica, a especialista em aconselhamento conjugal desenvolveu o modelo psicogenético, que pretende dar a conhecer os padrões de relacionamento inconscientes que todos temos na hora de eleger alguém para partilhar a nossa intimidade.No seu livro, intitulado "Porque escolhemos os parceiros que temos" (Why we pick the mates we do), a autora lança o desafio: “Podemos decidir o que queremos de um parceiro, mas existe uma parte de nós pré-programada e desconhecida e que é responsável pelas pessoas que atraímos, sem nos darmos conta.”Nestes casos, que Anne considera a maioria, os amantes podem funcionar como as peças perfeitas de um todo, apesar de estarem longe de formar o par ideal. De acordo com este modelo, aproximamo-nos de quem tem as mesmas questões que nós, os mesmos problemas não resolvidos e com uma herança familiar – ou história – semelhante (incapacidade para se entregar emocionalmente, medo de perder ou de ser rejeitado por quem se gosta, infidelidade, dependência, abuso ou abandono). Isso explica os frequentes desabafos – “O que é que eu vi naquela pessoa, que me faz a vida num inferno?” ou “Afinal tenho vivido ao lado de uma pessoa que desconheço”. Esse estranho parece ser a parte escondida de nós, a mesma que atraímos sem ter consciência, que se revela nos momentos de conflito.


O modelo explica ainda por que o amor é cego e, não raras vezes, fruto de “uma paixão à primeira vista”. Enamorados, os parceiros tendem a não olhar para “os pontos de fuga” e a concentrar a sua atenção nas fantasias de um futuro radioso, em que o outro vai preencher neles sentimentos reprimidos e carências de vária ordem, que já vêm do passado. No quotidiano conjugal, os tais programas inconscientes acabam por tomar o controlo e cada um reage ao outro como se ele fosse alguém com quem se viveu uma situação complicada. As expectativas depositadas naquela união acabam por ser defraudadas e o dilema só termina quando a pessoa percebe que está a viver o seu próprio filme através do parceiro.


Como sair desta encruzilhada? A razão por que muitas ligações amorosas colapsam prende-se com o facto de assentarem na paixão, fruto da química hormonal. Reconhece-se agora que a biologia do amor não dura mais do que dois anos, na melhor das hipóteses. Depois disso, poucos são os que conseguem passar o teste da realidade e recriar a relação noutros moldes e com outros pólos de interesse. Mesmo se a alternativa a um amor fracassado for outro romance com um parceiro exactamente oposto ao anterior, o problema tende a manter-se, uma vez que o padrão de relacionamento familiar permanece registado no cérebro emocional.


www.maxima.pt (in MSN)

Confiar é preciso

Sempre que os males de amor teimam em bater à porta, não se queixe da má sorte. Através deles, aprenda a acreditar mais em si e nas oportunidades da vida

menwithpens.ca

Por Clara Soares

Embora o amor seja o bem mais precioso que homens e mulheres procuram, os desencontros e decepções acabam por ser o caminho mais rápido para se conhecerem uns aos outros e afinarem expectativas, crenças pessoais e até formas mais enriquecedoras de relacionamento. Um estudo divulgado na revista Psychology Today, sobre os factores que trazem valor acrescentado e bem-estar à vida, mostrou que o maior indicador de felicidade é – mais do que o salário, a liberdade política ou a saúde mental – um relacionamento estável no plano afectivo. As vantagens físicas e emocionais do amor podem ser tão valiosas que se torna quase legítimo correr atrás delas sem olhar a riscos e, por vezes, de forma indiscriminada. Ver em alguém algo que nos falta e nos preenche, ter esse alguém sempre por perto e confiar-lhe todas as nossas carências e assuntos não resolvidos revela-se uma ideia atraente mas arriscada, pois quando o foco é exclusivamente centrado na descoberta da pessoa ideal para confiar, há pistas que ficam pelo caminho e o mais certo é acabar sem ninguém.


De tal modo que o consultor da série "Sexo e a Cidade", Greg Behrendt, dedicou um episódio inteirinho ao temado seu livro "He’s not into You", em conjunto com Liz Tucillo, que se baseou na sua experiência de ter gostado de homens que a rejeitavam. Entrevistado por Oprah Winfrey, Greg afirmou que as mulheres são peritas em fechar os olhos a sinais ambíguos lançados pelo sector masculino, nem sempre interessado em compromissos sérios. Resultado: iludem-se a si mesmas até ouvirem um rotundo “não”, até o encontrarem com outra ou perceberem que aqueles encontros eram um mero passatempo. Para ter certezas, o conselho dos autores é radical: nada de feminismos, o melhor mesmo é esperar que eles sejam os primeiros a convidá-las a sair, sem ansiedades nem atitudes desesperadas.Mas por trás desta ânsia de confiar-se a alguém, de entregar-se a qualquer preço, pode estar um coração vazio, uma personalidade imatura e, por conseguinte, nada inspiradora de confiança para os potenciais candidatos.O segundo motivo para não ir à procura do amor da sua vida surge, naturalmente, desta premissa: na maioria dos casos, o amor encontra-a a si. Quando é que isso acontece? Quando o amor que se tem para dar existe em sede própria e pode ser, aí sim, partilhado (sem que a dádiva possível e aceitável para um não seja sempre pouca para o outro, que assume – queira ou não – o papel de eternamente insatisfeito).


Ser confiável torna-se o requisito número um para inspirar confiança e atrair um compromisso gratificante para as partes. O passo seguinte é ser capaz de resistir aos primeiros equívocos, frustrações e embates. Entre as razões mais frequentes que levam ao desgaste e à separação, os conflitos são a mais evidente: o dinheiro, a educação dos filhos, as tarefas domésticas, a gestão dos tempos livres e, claro, o sexo, são quase sempre chamadas de atenção, nem sempre conscientes, para necessidades pessoais antigas.À conta de tantas vezes se reprimir o que se quer dizer na hora certa, de fazer de conta que não se vê nem se sente para não criar conflito, ele acaba por irromper pelas vias disponíveis e nas horas mais críticas. Instalada a desconfiança, o diálogo assume a forma de um combate e, para muitos casais, a crise aberta acaba por funcionar como o único escape para gritar o que poderia ser dito sem medos nem ameaças, sem acusações nem inseguranças. As carências ocultas que emergem à superfície podem ser, uma vez por outra, mascaradas com as reconciliações, mas não as resolvem.O grande mistério de uma relação “sem preço” reside na atitude desprendida (sem esperar mais do que o outro pode dar), associada a uma boa dose de compaixão (o outro também tem vulnerabilidades, defeitos e qualidades) e humor (nada é tão sério que justifique uma atitude desesperada).

www.maxima.pt (in MSN)

A outra face do sexo

Fazer amor é uma porta de acesso para facetas de nós que desconhecemos. Os caminhos da libido passam pelos becos do encanto, da desilusão e da transformação interior. Desvende-os e descubra qual é o seu.


From Wong Kar-Wai's 1995 drama Fallen Angels

Por Clara Soares

“O que te leva a pensar que eu quero fazer amor contigo?” A reacção é comum nos labirintos da sociedade global, onde é impossível não encontrar sexo ao virar da esquina. Na democracia sexual, em que a diversidade de condutas é regra – e politicamente correcta –, ter um fuck buddy (amigo que, ocasionalmente, assume a função de parceiro sexual) é considerado normal, sobretudo nos meios urbanos e cosmopolitas. Se fazer amor é uma actividade natural, que gera – além de filhos – prazer e até alívio da tensão, por que razão se converteu num valor absoluto, ao ponto de ser massificada? Por que há cada vez mais aquilo que muitos apelidam de “obsessão contemporânea”, que leva a que o mais pequeno gesto de aproximação seja interpretado como luz verde para “passagem ao acto”?


O sexo é a droga nos novos tempos. Trabalhos sobre o assunto referem que cresce o número de pessoas que, dia sim, dia não, precisa de mais de um contacto sexual (real ou através da Internet), apesar de terem um parceiro regular. Eles começam a aparecer nas consultas de psiquiatria e psicoterapia. O mal-estar de que falava Freud revela-se mais presente que nunca. As obsessões, as fobias e a depressão que nos afligem são camufladas por doses regulares dessa droga que o corpo aprende a pedir para se anestesiar e aplacar carências e medos.“Eu bem sei, tenho uma pessoa que me ama, mas não resisto a ir para os chats (canais de conversa em tempo real na Internet), teclar com os meus admiradores virtuais e ali fico horas, não sei passar sem aquilo”, admite Júlia (nome fictício), de 30 anos, vendedora de espaço publicitário. “Aqui, conheço pessoas que de outro modo não conheceria.” Miguel (nome fictício), de 28 anos e trabalhador-estudante, é um incondicional do programa Messenger. O tempo livre é pouco e as pausas laborais são integralmente ocupadas a falar com quem aparece, até que se troca o número de telemóvel, até que se marca o encontro “e depois logo se vê, dá jeito ter alguém para ir comigo jantar e algo mais se houver clima, porque não?”Por que é que “ter alguém” – no sentido de consumar ou possuir – é um desejo tão comum e premente, como se dele dependesse a sobrevivência emocional?


Para os psicanalistas, as condutas sexuais exacerbadas ou disfuncionais são apenas a face visível das pulsões agresssivas inconscientes e mal canalizadas (libido ao serviço da auto-gratificação compulsiva). Quando o sexo é tudo, algo vai mal dentro de nós. Não é por acaso que a necessidade de admiração excessiva, a manipulação dos outros, as fantasias de poder e amores ideais e o sentimento de auto-importância fazem parte do que os psiquiatras convencionaram chamar “perturbações narcísicas da personalidade”.No manual de diagnóstico e classificação das perturbações do foro psiquiátrico, o sentimento de vazio, os relacionamentos instáveis e a impulsividade (agida pelo sexo, nas compras ou na voracidade alimentar) marcam as “personalidades limite”; as interacções de sedução sexual constante, a necessidade de ser sempre o centro das atenções e o exacerbar de emoções são reacções típicas dos que padecem de “perturbações histriónicas” de personalidade. E o sexo compulsivo aparece, mais recentemente, como uma subcategoria dos transtornos obsessivo-compulsivos.

A maioria dos cientistas e terapeutas, seja qual for o seu modelo de formação, é unânime quanto ao facto de o maior órgão sexual ser o cérebro, a sala de comando central que governa as nossas escolhas. Em caso de crise – frustrações, problemas emocionais e até existenciais –, o sexo é um veículo de expressão do corpo. Saturado de hormonas desgovernadas, o corpo anseia por libertá-las. A energia acumulada passa as barreiras da mente e, na forma mais instintiva e animal, os comportamentos eróticos e sexuais trazem à tona conflitos e facetas pessoais que estavam adormecidas, mantidas na sombra.

www.maxima.pt (in MSN)

O papel da 'Outra'

Ser amante é descobrir o lado clandestino que há em si e confrontar-se com medos e desejos secretos.


Jill Del Mace, The Secret Lover

Por Clara Soares

“Eu guardo em mim um segredo. Bem escondido de olhares alheios, este ficheiro secreto é parte de mim. Quando estou com ele, vivo momentos afortunados que compensam o frio da ausência, na hora em que ele retorna a casa.” Para Manuela F., de 33 anos, divorciada, é preferível assim. Mãe de uma criança com oito anos, a assessora trabalha a tempo inteiro num parque de tecnologias. Entre as tarefas caseiras e a função de mãe consegue ter raros, mas preciosos, momentos de lazer. E espaço, pela primeira vez desde o divórcio, para sonhar de novo com o braço de alguém ali à mão. Um dia, deu por si a flirtar com o técnico de marketing do departamento onde ela se dirigia, amiúde, para entregar o plano de trabalhos das reuniões semanais com chefias. Por diversas vezes, cruzou-se com ele no refeitório. Renasceu nela o desejo de voltar a sentir aqueles sinais de arrebatamento, os choques hormonais que levam a cabeça até à Lua. “Deixei-me ser vista, desejada, apreciada. Pela primeira vez, concebi para mim que podia ter um caso com ele.” Ou melhor, ser a amante dele, porque, reparou depois, ele já tinha aliança (que é como quem diz, uma “dona”).


“Um amante é um homem em part-time, um vínculo precário, como o dos recibos verdes”, explica Manuela. Com ela, ele só tem permissão para estar no seu melhor. É a regra de ouro que torna suportáveis os danos emocionais da incerteza e da disponibilidade escassa. Não admira que diga: “Não tenho a obrigação de lhe lavar o pijama, de lhe aturar as neuras e de lhe arrumar as coisas”, como que a convencer-se a si mesma de que é preferível viver as leis da atracção em regime de “colaboração” do que na pele de “funcionária do quadro” – a rival que a faz sofrer, nas fases de ciúme vividas em silêncio. Manuela parece egocêntrica, fria. Como ela, muitas mulheres que se envolvem com homens inacessíveis para um compromisso acabam por, sem se dar conta, desenvolver um mecanismo de defesa para lidar com a eventual frustração de ter um parceiro “a dias”, ou melhor, “a horas”. “Não tinha a intenção de viver uma paixão impossível”, confessa. Porém, acabou por se render ao apelo da paixão secreta. “Perdoa-se o mal que faz pelo bem que sabe”, acrescenta. O bem, esse “consolador” de carne e osso, instalou-se de vez nos hábitos diários, tão natural e necessário como o café da manhã.Tudo correria assim, sem sobressaltos, se não entrasse o factor temporal em cena.Quanto mais tempo se mantém um affair, maiores as probabilidades de um dos dois ficar envolvido ou criar expectativas difíceis de realizar, segundo algumas investigações.


Hoje sabe-se que uma paixão dura, em média, de seis meses a um ano. Segundo as teorias evolucionistas, o corpo dá sinais de desgaste a partir deste intervalo de tempo, mostrando-se biologicamente incapaz de gerir a turbulência dos neurotransmissores e hormonas. Ao fim de algum tempo, uma relação tende a “defender-se” biologicamente dos efeitos do stress passional, mudando o seu registo: o casal entra numa fase estabilizada, mais serena e sexualmente diferente. Aí começam os problemas. A regra de ouro da candidata a “amante” é nunca se envolver. E quem infringe a regra também se candidata a ter muitas dores de cabeça e ressacas de desilusão. Ou não.A amante realista, mesmo sem o saber, é o porto de abrigo, o amortecedor de uma relação conjugal (que se mantém porque é compensada fora de casa). A amante idealista tende a cair no papel de vítima, sonhando com o que não pode ter e punindo-se por não conseguir ser amada. A esta, resta-lhe fazer aquilo que mais teme: renunciar ao triângulo, desistir de lutar (o amor dispensa luta), libertando-se assim do fardo da culpa.

Amantes

Honoré de Balzac disse que é mais fácil ser amante que marido (ou esposa): “É mais fácil ser oportuno e engenhoso de vez em quando do que todos os dias”.

As amantes dividem-se em duas categorias: as libertinas, dadas a viver intensas paixões; e as infractoras (que se envolvem com homens descomprometidos, estando casadas, ou se envolvem com alguém que tem aliança).

www.maxima.pt (in MSN)

Sou Bissexual. É normal!

A cortina de ferro entre heterossexuais e homossexuais está a ruir.


"Sou bi. E daí?”

Clara Soares
Há quatro anos, a cantora brasileira Ana Carolina revelou publicamente a sua preferência por ambos os sexos, garantindo ser mais feliz assim. A cantora canadiana Alanis Morissette já o havia feito, pouco tempo antes, e a onda de revelações começou a ganhar corpo. Na música, Ricky Martin, Pink, Netinho. No cinema, Angelina Jolie, Lindsey Lohan, Tila, Megan Fox. Esta terceira via, que desconcerta a mentalidade dominante – “É-se uma coisa (hetero) ou outra (gay)” –, começa a conquistar um espaço próprio nas conversas, nos fóruns virtuais, nas vidas privadas e nas mentalidades. Séries (Anatomia de Grey, Letra L, Sexo e a Cidade) e filmes (Henry & June, Batman, Matrix, Vicky Cristina Barcelona) não dispensam personagens sexualmente ambíguas. A bissexualidade é um fenómeno passageiro, um problema de identidade ou o reflexo de uma nova atitude nos relacionamentos?


Desde a Antiguidade Clássica que há registo desta forma de relacionar-se. Nos anos 40, o primeiro grande estudo sobre sexualidade humana, liderado pelo investigador Alfred Kinsey, revelou que nove por cento dos americanos eram bissexuais. E desde 1993 que estas orientações deixaram de constar na Classificação Internacional de Doenças, como transtornos de personalidade. O que antes se considerava desviante é hoje uma opção comportamental, decorrente daquilo que uma pessoa sente (mais do que o que faz e com quem). Após a emancipação das mulheres e a conquista de direitos dos gays, a ambiguidade sexual é a nova fronteira a explorar. Ou a temer, constituindo uma ameaça à ordem social estabelecida. Apesar dos movimentos activistas e do Dia da Celebração Bissexual (23 de Setembro), sentir envolvimento físico ou emocional sem a barreira do género é ainda uma ficção para o comum dos mortais.


Homens e mulheres parecem ter representações mentais distintas acerca da sua identidade sexual, tida como mais ampla. O psiquiatra Júlio Machado Vaz admite que nenhuma teoria é satisfatória neste campo e esclarece: “Sim, a bissexualidade existe, mas é normal que angustie; não é por acaso que, até há algum tempo, certos grupos homossexuais consideravam que os bissexuais eram gays não assumidos.” Membro da Sociedade de Sexologia Clínica, Machado Vaz adianta que esta orientação é menos angustiante e ameaçadora para a identidade no caso das mulheres. Camille Paglia, autora de Sexual Personae: Art and Decadence from Nefertiti to Emily Dickinson (1990), refere que existem mais mulheres bi do que homens: elas têm maior apetência para integrar sexo e afecto e com menos traumas.

Independentemente das diferenças de trajectória, o número de homens e mulheres que optam pela ambiguidade sexual está a ganhar visibilidade e há quem assegure tratar-se de uma nova revolução (e não de uma mera tendência): a da flexibilidade e da abrangência, afectiva ou sexual. Maria del Mar, psicóloga e terapeuta holística, em Lisboa, refere que nos últimos oito anos tem acompanhado homens e mulheres de 30 e 40 anos que descobriram a sua bissexualidade, geralmente na sequência de fracassos amorosos. “Começam por viver [mais elas do que eles] uma relação homossexual intensa que dura, em média, três a cinco anos; aí encontram uma forma de satisfazer necessidades que não conseguiam preencher, até então, com o sexo oposto (nem no seio da família de origem).” Uma opção compensatória natural que, embora enriquecedora, leva tempo a ser admitida e vivida com harmonia e maturidade no quotidiano, acrescenta.


A última tendência na comunidade científica encaminha-se para a hipótese de estarmos a assistir, globalmente, a uma postura mais aberta face à atracção, ao amor e aos relacionamentos. Em entrevista à BBC, o médico e ex-ministro da Saúde italiano, Umberto Veronesi, considerou que “será, em três gerações, apenas uma demonstração de afecto, rumo à bissexualidade.

www.maxima.pt

Amizades coloridas

“Queres sair comigo hoje?” Há algumas décadas, a pergunta poderia abrir caminho a uma sequência de expectativas que, na melhor das hipóteses, levaria a um hipotético compromisso futuro e, na pior, se ficaria por uma amizade com futuro incerto.



Por Clara Soares
Amizades coloridas
Fernando e Glória, dois trintões bem-dispostos, livres e urbanos, decidiram sair juntos, sem o grupo de amigos ou colegas de trabalho, para tomar um copo ao final da tarde. Ela, mais cautelosa, sugeriu uma esplanada que sabia não ser frequentada por pessoas conhecidas, “para evitar mexericos”. “Logo ali, dei-me conta de um quê de clandestinidade implícito, mesmo que, conscientemente, não tivesse a intenção de um encontro romântico”, lembra Glória. Repetiram a dose uma semana depois e gostaram daquele novo ritual nas rotinas de ambos, feito de trocas de impressões dos respectivos locais de trabalho, histórias e gostos pessoais, pormenores do quotidiano.


Já lá vão três anos de uma sólida amizade, sem haver propriamente regras definidas. “Às vezes, passava-se um mês em que não nos víamos e tínhamos por hábito manter uma certa leveza nos encontros”, explica Glória. E finalmente, a confissão: “Por três ou quatro vezes, tivemos sexo casual.” Glória já teve dois compromissos duradouros e admite que, de momento, não tem em vista uma pessoa suficientemente interessante para partilhar o quarto. Porém, isso parece não incomodá-la particularmente. “Vivo o momento e sei que ele também faz o mesmo. Ambos sabemos que é só sexo e não queremos mais do que isso – nem passar de amigos a namorados, porque nunca foi esse o registo.”

Este “registo”, que vive das (in)certezas de cada dia, marca cada vez mais uma progressiva faixa de pessoas, que não se privam de ter prazer só porque não têm uma relação (como manda – ou mandava – a regra). E se um deles encontrar um parceiro fixo? Estes encontros “em aberto” terão os dias contados? “Não sei”, responde Glória. A verdade é que não pensa sequer nisso, deixando que o momento dite a regra e aceitando, como até agora, as vontades de cada um, sem se forçar ou forçar o outro. “Às vezes, não é fácil”, conclui. “Mas pior seria se nos privássemos de todo, quando nos apetecer a ambos.”

Há ainda quem vaticine o fim do mito da monogamia – não faltam livros sobre o assunto – e a tónica desloca-se agora para um fenómeno emergente, que dá pelo nome de amizades coloridas. O termo nasceu no Brasil e aplica-se para designar relações em que o compromisso fica de fora. “No strings attached”, dizem os americanos. “Sexo com companhia”, dizem os que conhecem por dentro a experiência, mas que ainda não ousam falar disso abertamente ou usando o nome verdadeiro, como os casos anteriores. Afinal, trata-se de uma minoria que nem sequer foi alvo de estudo estatístico ou qualitativo. Porém, revela-se nas conversas de bastidores com pessoas de confiança, que “não vão dar com a língua nos dentes”, por assim dizer.

As regras do jogo são tácitas e nem todos terão perfil para jogá-las. Uma delas é não assumir, à boa maneira do adultério. Talvez por isso sejam mais comuns em faixas etárias superiores aos 30, quando já se tem uma noção de si mais diferenciada, com mais “calo”, e se passou pela turbulência de amores e desamores.

O médico Pedro de Freitas, especializado em Saúde Mental e Sexologia Clínica, confirma este fenómeno. Nas consultas de psicoterapia a que se dedica há vários anos, alguns dos pacientes mencionam "en passant" este tipo de amizades, que funcionam, no entender dos visados, como complemento de uma vida que se quer bem vivida e sem culpas.

“Não posso traçar um perfil, mas consigo afirmar que são mais frequentes em pessoas entre os 35 e os 40 anos, com percursos profissionais bem sucedidos, que já tiveram um ou mais relacionamentos estáveis e não pretendem continuar nesse registo.” Ao clínico, admitem que se sentem confortáveis em amizades, de longa data ou recentes, que por vezes evoluem para “cenas de cama, frescas, discretas e sem segundos pensamentos” (neste caso, de afectos ou compromisso futuro). A leitura que o médico faz deste padrão “não formal” é a seguinte: o medo de um novo fracasso leva-os – homens e mulheres – a fugir do envolvimento, mantendo a actividade sexual sem amarras, com pessoas que conhecem bem.

www.maxima.pt